1. A Memória

    25 de novembro de 2012

    Já dizia Maquiavel que o povo tem memória curta. E parece que atinge as classes mais altas de uma sociedade: também Cavaco Silva tem memória de curto prazo. O presidente da República disse, na semana passada, que os portugueses precisam de “ultrapassar estigmas e voltar a olhar para os sectores que esqueceu nas últimas décadas: o mar, a agricultura e a indústria.” Finalmente conseguiu “acertar” numa declaração que faz! Ah, espera… Já me estava a falhar a memória, esta bandida… Se calhar é melhor alguém lembrar ao senhor Presidente da República que era ele quem estava no Governo quando os fundos da CEE chegaram e ele mandou abater a frota pesqueira, pagou aos agricultores para não cultivar e construiu uma auto-estrada entre a Guarda e Bragança, tudo para o bem do desenvolvimento português em conformidade com os padrões europeus.

    Mas se calhar estou a julgar mal o Cavaco. Brilhante como é, não diz nada em vão. De certeza que tudo isto é uma soberba manobra estratégica para fazer os portugueses esquecer o caso BPN, relembrando que ele já fez coisas bem piores do que juntar dinheiro para poder viver os últimos dias em paz e com uns trocos de lado para os filhos e netos. De facto, a Maria quase que chegou ao ponto de vender rissóis, não foi? 

    Tenho de dar razão ao Maquiavel, na verdade. Depois de ter “aleijado” à brava os portugueses e de ter mudado, praticamente, toda a estrutura económica portuguesa, tudo em prol – repito – da coesão europeia, os portugueses ainda assim tiveram a capacidade de eleger o professor Aníbal Cavaco Silva para presidente da República. E por duas vezes. Mas lá bem no fundo – muito lá no fundo - até percebo o povo: sempre tivemos grande espírito de sacrifício e ajudamos sempre quem mais precisa. Nunca viramos a cara a um necessitado. Também é assim com o Mário Soares. Mesmo continuando a passear-se em carros do Estado e a receber reformas disto e daquilo dos anos em que esteve em funções políticas, as suas palavras continuam a ser quase sagradas e aplaude-se o senhor quando crítica o Governo porque “ele é que percebe disto!”.

    Hajam memórias como estas para que eu continue a achar a vida uma piada.


    /// Crónica para a cadeira de Imprensa ///